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Homenagem póstuma

Nada na vida é tão certo quanto a morte, sem esta a vida não teria significado algum.
O amor faz perdurar a imagem ou a  figura de quem cerrou os olhos para sempre.
Palavras do professor  Miguel Reale

Meu pai nasceu em Bauru, filho de pai professor, pastor da Igreja presbiteriana e mãe professora, após  morar em algumas cidades do interior, foi enviado para estudar em São Paulo com seus avós. Contava que, nessa época, precisava colocar jornais dentro dos sapatos, que tinham as solas gastas.
Cursou a Faculdade  de Medicina da Universidade de São Paulo. Casou-se no último ano e em seguida superou a morte de duas filhas, com seis e oito meses de idade. Sempre esteve ligado a Cadeira de Anatomia, tinha o Prof. Lochi como seu Paradigma. Defendeu sua Tese de Doutoramento no Departamento de Anatomia, e, na Clínica do Prof. Alípio Correa Netto, tornou-se um cirurgião de mão cheia. Especializou-se em Cirurgia Vascular em Strasbourg e tornou-se Professor Associado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Realizou o primeiro transplante renal em Hospital Privado em 1973. Publicou  29 livros, 35 edições e ainda tem 3 no prelo.Atuou em diversas áreas da Saúde sempre com criatividade e brilhantismo.
Era um homem carismático  com personalidade marcante, típica de pessoas que  assumem uma postura na vida, demonstram claramente suas idéias, seus objetivos  e seus sentimentos. Foi um ser humano impossível de passar despercebido, despertava sentimentos fortes em todos seus relacionamentos e com isso marcou sua presença na vida de muitas pessoas . Muitas vezes decepcionou-se com a natureza humana, mas nunca desistiu de acreditar nela. Ensinou, propagou e lutou pelos valores morais e éticos
Era cheio de energia, ativo e com a excepcional capacidade de tirar proveito de qualquer situação, por pior que ela fosse. Durante suas intensas crises de asma, aproveitava a posição sentada, mais confortável nessa situação e ficava estudando! Tentava passar essa visão positiva das situações para todos ao seu redor. Sempre tinha uma palavra de estímulo para as pessoas progredirem e serem mais felizes. Como afirmou seu grande amigo, Miguel Reale:  “A razão pela qual não podemos ser felizes sozinhos, trancados na ilha de nosso egoísmo, sem a alma participante aberta às aspirações coletivas. É o motivo pelo qual a maior felicidade é fazermos os outros felizes. Não é feliz quem não educa a visão intelectual, a sensibilidade, a forma de querer. A conquista da felicidade é uma vitória do espírito, do tempo, a formação de um estado de consciência que esteja em harmonia com o momento que estamos vivendo e com tudo aquilo que nos cerca.”
Identificava-se muito com os pensamentos desse amigo, porque era assim que ele vivia. Colocava a felicidade onde estava e fazia de tudo para irradiá-la ao seu redor.
Desde minha infância, explicava que o único  patrimônio com valor é o espiritual, intelectual e cultural, porque se perdermos esse, já não reconhecemos a nós mesmo e o resto não terá significado algum. Assim ele ensinava os valores da vida
Dizia que  o estilo de vida que a medicina propicia tem caráter sacerdotal, não pela gratuidade dos serviços, mas pela devoção que ela exige e que essa oportunidade é real para aqueles que não se restringem em viver da medicina e nem  se limitam a viver a medicina, mas sim para a medicina. Afirmava que esse comportamento confundia o trabalho com o lazer e assim, ele identificava sua vocação ao sentir felicidade naquilo que fazia.
Foi um homem vitorioso com muito orgulho de tudo que construiu e conquistou em sua vida, mas era também suficientemente humilde para continuar constantemente aprendendo. A curiosidade científica o mantinha em estado de alerta captando tudo ao seu redor e colocando sua mente anos luz à frente de sua geração. Sua constante convivência, admiração e respeito aos jovens  o mantinha atualizado e integrado socialmente. Mas não se continha apenas em saber. Precisava também passar adiante o que aprendia. Didaticamente e com muito entusiasmo sempre tinha novidades para contar, qualquer encontro com ele, por mais informal que fosse, acabava sendo rico de informações e idéias.
Era um eterno professor e  dizia que o exemplo não era uma maneira de ensinar, mas sim, a única . Sempre dizia aos jovens: “Melhor que o sonho é sua realização. Sonhem, mas sonhem alto e lutem para realizar seu sonho!”
Aqui eu completo o que ele não disse, mas estava implícito em seu comportamento. Nunca deixem de ter um sonho. Quando este se realiza é necessário encontrar outro.
Até nos últimos dias de sua vida, com seu pensamento positivo, tinha o sonho de vencer a doença. Nunca pensava nela diretamente e continuava trabalhando com suas idéias, em constante ebulição. Ultimamente, sonhava em criar uma ONG para estimular Jovens Talentos. Assim driblava os sintomas da doença, canalizando toda sua energia para algo positivo e criativo.
Disse-me algumas vezes quando me via sofrendo com  sua dor, que ninguém podia ter tudo na vida e que não se sentia no direito de lamentar, porque tinha ido muito além de suas conquistas científicas e profissionais, tinha publicado muito mais do que livros, tinha publicado, jovens.
Nunca perdeu a oportunidade de manifestar o orgulho que tinha das filhas, do genro, que seguiu sua especialidade, e dos netos: Alexandre, também cirurgião vascular e apaixonado por escrever, Marcelo, neurocirurgião e Fernando, no quinto ano da Escola Paulista de Medicina.
Seu objetivo sempre foi abrir a mente dos jovens, estimulando-os a terem idéias próprias, objetivos claros, a terem um sonho e a persegui-lo, com garra. Sentia-se realizado e feliz ao ver esses jovens conquistando seus espaços na vida
Com seu falecimento pude testemunhar que ele realmente alcançou seu objetivo. Várias pessoas fizeram seu depoimento de quanto ele havia sido importante em suas vidas. Na minha ,muito mais do que pai, paradigma profissional, sempre foi um amigo e companheiro. Até em seus últimos momentos lutou para desempenhar esse papel. Será sempre lembrado com carinho e como uma força vital energisante. Meu pai foi um homem feliz. Até em seus últimos dias, foi um ser humano exemplar, com verdadeira paixão pela vida.
Tenho certeza que deixou um legado de seguidores, plantou muitas sementes que continuarão seu trabalho aqui na Terra por uma infinidade de gerações e assim, ele continuará vivo em nossos corações.

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